sexta-feira, 24 de julho de 2009

ENTREVISTAS: 1- Socialismo e Islamismo - TARIQ ALI

Entrevista com TARIQ ALI
Socialismo e Islamismo



Entrevista com Tariq Ali feita por Alex De Jong e Paul Mepschen durante o simpósio Ernest Mandel realizado em Bruxelas em Novembro de 2005.Publicada na edição de Março-Abril de 2006 da revista holandesa Grenzeloos e reproduzida em International Viewpoint.
(www.internationalviewpoint.org).


PERGUNTA : Sem dúvida, os fatos que mais claramente chamaram a atenção na Holanda para o mundo islâmico são o assassinato do cineasta Theo van Gogh e as ameaças recebidas pela deputada liberal Ayaan Hirsi Ali. Assim como ela, você não é religioso e procede do mundo muçulmano. Alguma vez sentiu-se ameaçado?
Tariq Ali: Não, nunca. Viajo muito, tanto ao mundo muçulmano como ao restante do mundo e até hoje não me senti de forma alguma ameaçado. Por quê? Sem dúvida, isso se deve ao fato de que as pessoas que não estão de acordo comigo com respeito à religião sabem que eu sou um inimigo do imperialismo. Critico o imperialismo, em todas as suas dimensões, de forma incessante, inclusive em maior medida que os religiosos. Diferentemente, Hirsi Ali e outras pessoas como ela nos EUA e na Europa, fazem de seus ataques ao Islã uma autêntica profissão de fé. No mundo há muitas outras questões importantes. Por que, então, estas pessoas miram sem trégua o Islã? De fato, o modo pelo qual atacam o Islã mostram que compartilham preconceitos correntes. É por isso que são odiados. Não existe desculpa ou justificativa alguma para atos de violência contra estas pessoas. É necessário entabular uma discussão com elas. Mas estes atos violentos são um sinal de desespero: as pessoas se sentem com a corda no pescoço a tal ponto que recorrem a violência.


PERGUNTA : Você não acredita que a violência e as ameaças dirigidas a estas pessoas representam também uma ameaça para todas as pessoas de origem muçulmana que não respeitam as normas, como os não religiosos, as feministas ou os homossexuais?
Tariq Ali: Certo. Mas vocês têm que entender que a comunidade muçulmana é muito diversificada. As pessoas são muito mal informadas sobre o mundo muçulmano. A imagem que se tem dele nasce, em boa medida, das comunidades de imigrantes na Europa que são, aliás, bastante diferentes entre si. A vida no mundo muçulmano não é monolítica: há religiosos, não religiosos e mesmo ateus.
Obviamente, a possibilidade dos não religiosos poderem se expressar livremente é uma questão à parte. Frequentemente não podem, mas o fato de que não possam não significa que não existam. Tal e como ocorre aqui, a religião não é o elemento central da vida dos muçulmanos. As pessoas trabalham, comem, fazem amor, constroem famílias. Alguns vão à mesquita, outros não. Exatamente como em outras partes do mundo. A diferença radica somente no fato de que, em certos países, está proibido criticar o Islã. Mas este não é o caso, por exemplo, da Turquia. Em outros países onde antes era possível, hoje se tornou mais difícil.


Pergunta : A religião está adquirindo cada vez maior importância. Para os muçulmanos jovens que vivem no Ocidente, o Islã constitui, em grande medida, uma questão identitária.
Tariq Ali: Eu também acredito que sim. Trata-se do resultado de distintos fatores, mas, sobretudo, responde ao vazio gerado pelo capitalismo atual: não há nenhuma alternativa real. Muitas pessoas, muçulmanas ou não, sente isso e se apega à religião. Ao longo dos últimos 20 ou 30 anos, pessoas que não se identificavam com nenhuma religião em particular se aproximaram do Islã, do Cristianismo, do Budismo, etc. Por quê? Porque o capitalismo esmaga tudo como um rolo compressor e os seres humanos precisam encontrar um refúgio... . As pessoas se apegam à religião porque já não vêem nenhum tipo de alternativa socioeconômica. Esta é a razão pela qual, nas comunidades de imigrantes, há pessoas que concebem sua identidade de um ponto de vista estritamente religioso e eu não creio que caiba esperar algo bom a partir desta realidade. Mas acredito também que tudo isso mudará com as gerações futuras. Hoje as pessoas não se mostram religiosas com a mesma intensidade e de fato podemos observar distintas religiosidades de formas bem diversas. Não acredito que o retorno à religião seja universal.

PERGUNTA: Um dos traços da caracterização dos muçulmanos que predomina na atualidade é o que os define como pessoas que somente são capazes de atuar de forma acrítica e dogmática com respeito ao Corão, enquanto praticantes de outras religiões – sobretudo os cristãos – se consideram capazes de produzir interpretações modernas de seu livro sagrado.
Tariq Ali: Trata-se de uma representação que, ainda que tenha sido muito difundida, está, sob todos os prismas, equivocada. Esta é a razão pela qual eu insisto na diversidade do mundo muçulmano. Na Polônia, a Igreja jogou um papel muito significativo na luta contra o regime estalinista. Este papel foi acolhido no Ocidente com grande entusiasmo. Por que se julgam as coisas com essas diferentes medidas?
Muitas pessoas no mundo muçulmano consideram qualquer ataque contra o Islã como algo inaceitável. Muitas pessoas, ainda que não sejam religiosas – e conheço várias destas – dizem: “Sim, sou muçulmano”. Este é o resultado do fato de que os Estados Unidos, em certo sentido, converteram o mero fato de ser muçulmano em algo inaceitável. Vocês vivem em um país, a Holanda, no qual a religião ocupou uma posição extremamente dominante. O fundamentalismo protestante é uma das piores formas de fundamentalismo. O fundamentalismo protestante, de origem inglesa ou holandesa, foi o responsável por um autêntico genocídio na América do Norte: exterminou a população indígena em nome do progresso. Isto é algo que os muçulmanos não fizeram.


PERGUNTA : Em qualquer lugar em que se observe este “revival” das religiões de que se tem falado – por parte dos muçulmanos na Europa ocidental, por parte dos cristãos nos Estados Unidos, etc. – descobre-se também que representações da sexualidade de tipo conservador jogam um papel importante.
Tariq Ali: Isto sempre foi assim. Eu não acredito que o capitalismo trate por todos os meios para que os seres humanos façam representações conservadoras da sexualidade; mas penso que o capitalismo quer confinar as pessoas em famílias nucleares isoladas umas em relação às outras. E quando, neste contexto, a religião ocupa um lugar central na conformação das identidades das pessoas, então estas tratam de diferenciar-se com respeito aos demais; razão pela qual aderem a certos códigos morais e tomam posição contra a homossexualidade ao mesmo tempo em que afirmam que as mulheres possuem um valor inferior.
A questão da sexualidade joga um papel central na conformação da identidade de cada pessoa. Os seres humanos buscam constantemente diferenciar-se e o fazem de forma muito simples nos preceitos religiosos.


PERGUNTA: Você acredita que o movimento feminista no mundo muçulmano e nas sociedades muçulmanas ocidentais tenha futuro?
Tariq Ali: Mas é claro que sim. Por exemplo, no Paquistão se desenvolveu um eficaz movimento contrário às leis islâmicas que foram introduzidas durante a ditadura, em 1977. Em todo país as mulheres se organizaram, se manifestaram e criticaram a Sharia. Da mesma maneira, países como Egito, Marrocos, Nigéria e Tunísia viram florescer movimentos feministas. As autoridades estatais reagiram ante este desafio, em alguns casos criando movimento fundamentalistas – como aconteceu no Paquistão – e em outros, colaborando com eles – como aconteceu no Egito. Em troca destas políticas conservadoras e hostis às mulheres por parte das autoridades, os fundamentalistas se comprometeram a deixar de atacar o estado.
No Ocidente, os movimentos feministas deveriam explicitar posições claramente antiimperialistas. Somente assim será possível que, no futuro, possam ganhar jovens muçulmanas para sua causa. Desgraçadamente, no Ocidente, o feminismo ocupa um espaço reduzido como corrente política.


PERGUNTA : Nos marcos da insistência acerca das diferenças, você fala, no “Choque dos Fundamentalismos” da existência de um multiculturalismo oficial.
Tariq Ali: Sim, daí parte a busca das diferenças. Quando se traça um panorama da realidade britânica, percebe-se até que ponto a religião foi sustentada pelo governo, sobretudo por Blair. Inclusive, depois do 11 de Setembro, a fundação de instituições religiosas que reúnem, por exemplo, as escolas religiosas, foi apoiada. Sob o prisma do multiculturalismo oficial, as diferenças entre as pessoas são consideradas uma boa coisa. Em parte é assim: as pessoas são diferentes. Mas como socialista sou consciente também do quanto é difícil forjar unidades. E sou da opinião de que, entre os jovens, há mais pontos de convergência que diferenças. Em qualquer caso, sou otimista: na Europa, a importância das religiões como fonte de divisões não durará muito tempo mais, quiçá 30 ou 40 anos.


PERGUNTA: Por quê?
Tariq Ali: Deixem-me dizê-lo com certa dose de cinismo: porque o capitalismo é cego no que concerne ao sexo, à cor de pele ou à religião. Na medida em que expande e estende todas e cada uma das particularidades dos seres humanos, as vai deixando de lado, as vai descartando. Assim ocorreu sempre.


PERGUNTA: Você acredita que a esquerda é capaz de mostrar que existe uma alternativa?
Tariq Ali: No presente momento a esquerda é muito débil. No que diz respeito à esquerda radical sou pouco otimista. Não milito no Respect britânico. Não estou de acordo com eles em vários pontos. De fato, acredito que o modo pelo qual as coisas se vão sucedendo no interior do Respect é totalmente oportunista. É claro que sou partidário de que se trabalhe com grupos muçulmanos, mas acredito que o objetivo dos socialistas deveria ser atrair simpatizantes de grupos religiosos à causa do socialismo em lugar de deixá-los presos a seus intrincados pontos de vista.
PERGUNTA : Assim, devemos trabalhar juntos num sentido menos acrítico?
Tariq Ali: Claro. O modo pelo qual o Respect está atuando não conduz a parte alguma. Havemos de encontrar um terreno neutro que ofereça espaço para a discussão. Não devemos encobrir nosso próprio ponto de vista escondendo-o sob o véu. Vários dos grupos muçulmanos com os quais o Respect colaborou têm raízes muito conservadoras e reacionárias. Nos países de onde se originam, como o Egito ou Indonésia, por exemplo, sempre foram os inimigos da esquerda.
PERGUNTA: Este é um dos problemas ante os quais os anti-racistas e os socialistas se encontram. De um lado, queremos estender a solidariedade para com minorias que sofrem discriminações. Por outro, havemos de manter uma posição crítica com respeito às conservadoras formas de pensar que, em parte, predominam no interior dessas minorias.
Tariq Ali: Para os socialistas a tarefa é clara. As comunidades muçulmanas devem ser protegidas da tendência a convertê-las em bodes expiatórios, assim como da repressão que sofrem e de sua representação, amplamente difundida, como comunidades próximas ao terrorismo. É preciso lutar energicamente nesta direção. Mas, ao mesmo tempo, devemos manter os olhos bem abertos afim de detectar o conservadorismo social que reina no seio destas comunidades e, em nenhum caso, encobri-lo. Devemos tratar de atrair estas pessoas a nossa causa.
Eu gostaria de mencionar um exemplo disso. O último capítulo do meu livro é uma carta aberta a um jovem muçulmano. Quase um ano depois de ter escrito esta carta, recebi uma resposta de vários jovens muçulmanos. Diziam que minha carta falava deles porque nela encontraram questões e demandas que eles mesmos se haviam colocado e haviam discutido. Estavam surpreendidos de serem tomados tão a sério. O resultado foi que dois deles se uniram ao Partido Socialista Escocês.
Nosso objetivo deve ser fortalecer a posição dos mais jovens, que estão fazendo um giro em direção a uma perspectiva progressista e secular. Isto é algo muito importante. Nas comunidades muçulmanas podem encontrar-se muitas pessoas progressistas que, devido à atmosfera que reina naqueles meios, não podem afirmar suas posições abertamente. Estas pessoas, as que possuem condições que as habilitam a construir forças seculares, devem receber nosso apoio. As mulheres jovens têm aqui um importante papel a jogar.
Temos um longo caminho a percorrer com estes grupos sociais se, diferentemente do que tende a fazer a extrema esquerda francesa, não os ignoramos. De fato, a extrema esquerda francesa constitui o reverso do oportunismo britânico. Praticamente não tem contato algum com a comunidade muçulmana e não considera que ter pontes com esta seja uma prioridade. Ambas as atitudes são erradas: devemos, então, encontrar um caminho intermediário.


Fonte: (www.sinpermisso.info). Traduzido da versão em espanhol de autoria de David Casassas.

Um comentário:

  1. Tariq Ali fantástico como sempre.Acabo de ler seu romance "Redenção" onde, com muita sátira e tino, ele trata de alguns temas que estão presentes nesta entrevista, como -por exemplo, sua crítica à esquerda radical, à religião e, ao centro de sua obra e sua vida, ao capitalismo. Ler esta entrevista logo após terminar a leitura de Redenção foi um prazer enorme. Só tenho a agradecer.

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