CLASSES SOCIAIS E
LUTA DE CLASSES
existência de classes e a luta entre elas. Diz ele:
“Chamam-se classes a grandes grupos de homens que se diferenciam pelo seu
lugar no sistema historicamente determinado de produção social, pela sua relação
(na maioria dos casos confirmada e precisada nas leis) com os meios de
produção, pelo seu papel na organização social do trabalho e, por conseguinte,
pelos meios de obtenção e pelo volume da parte da riqueza social de que
dispõem. As classes são grupos de homens em que uns podem apropriar-se do
trabalho dos outros graças à diferença do lugar que ocupam num sistema da
economia social”.
A definição marxista começa com o fator material da existência de determinado
sistema de produção – formação social – e usa como critérios objetivos de
diferença entre as classes a sua posição neste sistema, a relação com os meios
de produção, o papel na organização do trabalho e a posse ou não de parcela da
riqueza produzida pela sociedade. Esta abordagem científica se mostra muito
diferente da abordagem subjetiva das teorias burguesas. Por exemplo, termos
como “classe alta” ou “classe baixa”, que não precisam o significado dos termos
“alto” e “baixa”, são absolutamente vagos, e pior ainda é a definição por letra do
alfabeto, que tem como base a renda dos grupos assim identificados. Poderia
haver tantas classes quanto faixas de renda, e a definição destas mesmas faixas
poderia ser diferente de acordo com a opinião individual de cada um. Como
podemos ver, a definição de Lênin menciona a renda de cada classe social –
“volume da parte da riqueza social de que dispõem”, mas acrescenta a origem
dela utilizando o critério objetivo e verificável.
Outra crítica às teorias não-marxistas de classe direciona-se a que, além de terem
o defeito muito sério de não tratar das causas fundamentais do fenômeno de
classe social, ao mesmo tempo elas servem para ocultar a existência da
exploração da classe operária pela classe dominante capitalista. Isso significa que
estamos diante de um ponto de vista ideológico burguês. Conforme advertia Lênin:
“Os homens sempre foram em política vítimas ingênuas do engano dos outros e
do próprio e continuarão a sê-lo enquanto não aprenderem a descobrir por trás de
todas as frases, declarações e promessas morais, religiosas, políticas e sociais, os
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interesses de uma ou de outra classe.”1
Estas palavras chamam a atenção para a grande importância de se aprofundar o
estudo da teoria da luta de classes, a fim de que possamos desenvolver a crítica
da realidade social conforme a visão de mundo da classe operária. E exprimem o
enorme passo em frente representado pela fundamentação e elaboração da teoria
marxista-leninista da luta de classes na história do pensamento humano, na
procura de respostas capazes de desvendar, do ponto de vista dos explorados na
sociedade capitalista, como se desenvolvem as relações entre as classes sociais,
apontando para a necessidade do enfrentamento às condições impostas pelos
interesses do capital e de construção da sociedade comunista, que dará fim à
exploração do homem pelo homem.
Nas seções que seguem vamos examinar certas características fundamentais das
classes sociais.
Características fundamentais das classes sociais
Os extratos que seguem tratam de algumas características fundamentais das
classes sociais, a ver:
1) elas nem sempre existiram;
2) o conflito entre elas - a luta de classes - é inevitável;
3) a luta de classes é o motor do desenvolvimento das sociedades ao longo da
história;
4) a idéia de uma sociedade sem classes é uma idéia construída na luta de
classes e uma possibilidade histórica concreta.
A natureza histórica (passageira) das classes sociais
Marx demonstrou que, nas sociedades primitivas, não havia a divisão entre
classes. Esta divisão surgiu com base em mudanças nas forças de produção e
nos conflitos entre os homens, que levaram à posse privada, por um grupo social,
do excedente produzido e da própria terra geradora de riqueza, graças à
exploração de outra classe social que não detinha a posse dos meios de
produção. Assim explicou Marx:
“A primeira forma de propriedade é a propriedade tribal. Corresponde a um estágio
não desenvolvido da produção em que um povo vive da caça e da pesca, criando
animais ou, na fase mais elevada, da agricultura. (...) A divisão do trabalho, neste
estágio, é muito elementar ainda, e está limitada a uma extensão da divisão
natural do trabalho imposta pela família: a estrutura social é, portanto, resumida a
1 LÊNIN, V.I., As Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxismo, em Obras
Escolhidas em três tomos, Edições «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1977,
t. 1, p. 38.
3
uma extensão da própria família (...)
A segunda forma é a antiga propriedade comunal e do Estado, que provém,
particularmente, da união de várias tribos numa cidade, por acordo ou conquista, e
ainda é acompanhada pela escravidão. Ao lado da propriedade comunal, já
encontramos a propriedade privada móvel e, mais tarde, a imóvel, em
desenvolvimento, mas como forma subordinada à propriedade comunal. (...) toda
a estrutura da sociedade baseada em tal propriedade comunal, e com ela o poder
do povo, entra em decadência na mesma medida em que progride a propriedade
privada imóvel. A divisão do trabalho já está mais desenvolvida. Já encontramos o
antagonismo entre a cidade e o campo, depois o antagonismo entre aqueles
estados que representam interesses urbanos e os que representam interesses
rurais e, dentro das próprias cidades, o antagonismo entre a indústria e o comércio
marítimo. As relações de classe entre os cidadãos e os escravos estão, agora,
totalmente desenvolvidas.”2
Estudando as condições materiais de existência e os conflitos sociais resultantes
das relações antagônicas entre as diversas classes surgidas no decurso do
processo histórico, a teoria marxista produziu análises que nos permitem
compreender que o processo de formação, desenvolvimento e de luta entre as
classes é o cerne da própria história humana.
A inevitabilidade da luta de classes
A realidade da oposição irreconciliável entre a classe de proprietários e a classe
não proprietária é um fato comprovado que permite tirar a conclusão de que a luta
entre as classes é algo historicamente determinado – iniciou-se num período
histórico específico quando surgiu a primeira sociedade dividida em classes – e se
encerrará quando a propriedade privada dos meios de produção
desaparecer, como consequência da derrota da classe capitalista. Sendo assim, é
possível depreender a inevitabilidade da luta de classes como fenômeno
historicamente determinado por leis sociais.
Classes são grandes grupos de pessoas que se distinguem principalmente pelo
fato de possuírem ou não meios de produção. Os possuidores dos meios de
produção exploram aqueles que não possuem quaisquer meios de produção. A
contradição entre exploradores e explorados é algo inconciliável, antagônico.
Outras características das classes antagônicas derivadas desta característica
fundamental são o seu diferente papel na organização social do trabalho (se
exercem uma função dirigente e dominante ou executante, se têm ou não de se
submeter às ordens dos detentores dos meios de produção) e a forma diferente de
como obtêm sua parte da riqueza social (como salário proveniente do trabalho ou
como lucro) e a grandeza dessa parte.
2 MARX, Karl – FORMEN – Formações Econômicas Pré-Capitalistas, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975,
pp. 114-115.
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A luta de classes é, portanto, um fenômeno regido por leis sociais historicamente
determinadas. As classes não foram inventadas pelos marxistas ou outros
revolucionários para atiçarem conflitos na sociedade e minarem um dado regime.
As classes e a luta de classes são, antes, um resultado necessário de
determinadas condições econômicas, sociais e históricas. Enquanto a posição
econômica dos homens for de forma a permitir que uma minoria se aproprie
gratuitamente de grande parte do que é produzido pela maioria trabalhadora, é
inevitável a divisão da sociedade em classes, e os homens pertencerão às classes
de exploradores ou de explorados, típicas da sociedade em questão, quer queiram
quer não.
A luta de classes se manifesta, por vezes, segundo formas agudas, abertas;
outras vezes, segundo formas menos agudas, mais encobertas. Na vida
econômica, através de conflitos salariais, etc., ela verifica-se de uma forma
diferente da vida política, expressa, por exemplo, nos embates eleitorais ou em
ações de massas contra as políticas prejudiciais aos interesses dos trabalhadores,
aplicadas pelos governos burgueses.
A compreensão por parte dos explorados dos seus verdadeiros interesses, a sua
determinação para a luta, a sua confiança nas próprias forças podem ser
ludibriadas pela mentira, por manipulações ideológicas, por campanhas
difamatórias anticomunistas, por se espalharem ilusões e medo durante um certo
período, tornando inócuas as formas de luta contra os exploradores dominantes.
Os exploradores conseguiram, por mais de uma vez, limitar as possibilidades de
os explorados se defenderem e se levantarem para a luta ou reprimir totalmente
essa luta por meio do terror e da violência. O que nunca se conseguiu, no entanto,
foi fazer desaparecer nem as oposições de classe existentes nem a própria luta de
classes.
Os ideólogos burgueses anunciaram inúmeras vezes o desaparecimento da
divisão de classes entre burguesia e proletariado e, desse modo, o fracasso
definitivo da teoria marxista-leninista da luta de classes. Mas, de todas as vezes,
eles ficaram chocados, após um certo tempo, com a greve seguinte, com a ação
de luta seguinte da classe operária, com a crise seguinte da sua dominação.
A luta de classes como motor do desenvolvimento histórico das sociedades
Quando não havia classes sociais, a principal contradição existente opunha os
seres humanos à natureza. O trabalho social dos seres humanos, buscando os
meios de subsistência, forçava-os a buscarem mecanismos de controle das forças
da natureza. Gradativamente, este trabalho levou ao desenvolvimento das forças
produtivas (representadas centralmente pela força de trabalho), permitindo maior
acesso aos meios de produção e à criação de um excedente na produção.
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A partir da dominação deste excedente pela classe que detinha a posse dos meios
de produção, o processo de produção, isto é, o modo de produção e a formação
social nele baseada passaram a ser dirigidos para atender as necessidades e
vontades desta classe. Desta maneira, a contradição social principal passou a ser
o conflito material dentro do modo de produção entre a classe exploradora e a
classe explorada, e esta contradição no seio de cada formação social se tornou a
“mola mestra” da história.
As relações e a luta entre as classes perpassam, assim, todos os domínios da
vida social. Portanto, são, sobretudo, elas que têm de ser analisadas quando se
trata de compreender uma determinada sociedade ou ainda um determinado
passo da história, quando se apreciam determinados períodos históricos em que
ocorrem importantes modificações e transformações sociais. Partindo destes
princípios orientadores da visão de mundo da classe operária, a teoria marxistaleninista
entende ser o conteúdo principal da época atual da história mundial como
de transição da humanidade do capitalismo para o socialismo.
A luta de classes como a mais importante força motriz da história humana
Segundo Engels, “todas as lutas históricas, quer se desenvolvam no terreno
político, no religioso, no filosófico ou noutro terreno ideológico qualquer, não são,
na realidade, mais do que a expressão mais ou menos clara de lutas de classes
sociais”3. Pela luta de classes, a ação humana adquire efeito e significado
históricos, e esta é a grande lei do movimento da história.
Se as intenções e ações de homens isolados, ou de grupos de homens, exercem
ou não uma influência duradoura sobre a marcha do desenvolvimento social, se
provocam uma transformação das circunstâncias ou se não têm significado, é algo
que depende, em primeira linha, do fato de conferirem ou não expressão aos
interesses e anseios de forças de classe reais ou aos planos ambiciosos, aos
desejos ilusórios de um punhado de aventureiros. Isto não se relaciona apenas
com o fato de uma pessoa isolada ter sempre mais possibilidades quando age em
consonância com outras; antes resulta, sobretudo, do fato de as tendências do
desenvolvimento material e econômico da vida social tomarem, antes de tudo o
mais, como interesses de classe, uma forma social.
Todas as transformações históricas foram precedidas pelo aparecimento de novos
interesses e necessidades materiais que, de forma mais ou menos rápida e mais
ou menos direta, entraram em conflito com os interesses e necessidades
existentes. O que nesses conflitos se refletia era sempre, em última instância, uma
3 ENGELS, Friedrich, Prefácio à terceira edição alemã de 1885 de O 18 de Brumário de
Louis Bonaparte [Ver: Marx/Engels, Obras Escolhidas em três tomos. Edições «Avante!»-
Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1982, t. 1, p. 416.]
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transformação da vida econômica e social. As novas tendências econômicas,
historicamente superiores, que se desenvolviam e amadureciam, necessitavam de
uma força social para se imporem às tendências já antiquadas — mas que, de
imediato, continuavam poderosas e predominantes — para poderem se
desenvolver sem entraves.
Esta conexão necessária entre desenvolvimento econômico e luta de classes
adquire a sua expressão mais visível nas revoluções sociais. Nas revoluções
sociais, decide-se o resultado da luta entre progresso e reação. As revoluções
sociais estarão sempre na ordem do dia enquanto existirem classes exploradoras
que se oponham à luta das classes que encarnam o desenvolvimento histórico
mais avançado das forças produtivas e das relações de produção.
Uma sociedade sem classes é uma possibilidade histórica concreta
Talvez a conseqüência mais importante do fato segundo o qual nem sempre
existiram classes sociais é a compreensão de que a sua existência não é algo
“natural”, ou seja, não é permanente, como gostaria de convencer a classe
dominante e os intelectuais a seu serviço. Consequentemente, no mínimo, está
colocada a possibilidade histórica de uma sociedade sem classes.
Para os Partidos Comunistas, é exatamente a superação do capitalismo pela
passagem à primeira etapa do comunismo – o socialismo – que existe como muito
mais do que uma possibilidade. O advento do socialismo é visto como resultado
da ação consciente do seres humanos conscientes da sua necessidade histórica.
A palavra “necessidade”, segundo a teoria marxista, não significa apenas algo que
é avaliado como útil, mas como algo que resulta da natureza básica – a essência
– do processo de desenvolvimento histórico.
No texto A Luta de Classes, Lênin nos remete a Marx para reforçar que “a luta de
classes é o motor dos acontecimentos. A seguinte passagem do Manifesto do
Partido Comunista mostra-nos o que Marx exigia da ciência social para a análise
objetiva da situação de cada classe no seio da sociedade moderna, em ligação
com a análise das condições do desenvolvimento de cada classe: ‘De todas as
classes que hoje em dia defrontam a burguesia só o proletariado é uma classe
totalmente revolucionária. As demais classes vão se arruinando e soçobram com a
grande indústria; o proletariado é o produto mais característico desta. As camadas
médias, o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artífice, o camponês,
lutam todos contra a burguesia para assegurarem a sua existência como camadas
médias, antes do declínio. Não são pois revolucionárias, mas conservadoras. Mais
ainda, são reacionárias, pois procuram pôr a andar para trás a roda da história ...’
Em numerosas obras históricas, Marx deu exemplos brilhantes e profundos de
historiografia materialista, de análise da situação de cada classe particular e, por
vezes, dos diversos grupos ou camadas no seio de uma classe, mostrando, até a
evidência, porque e como ‘toda a luta de classes é uma luta política’. A passagem
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que acabamos de citar ilustra claramente como é complexa a rede das relações
sociais e dos graus transitórios de uma classe para outra, do passado para o
futuro, que Marx analisa, para determinar a resultante do desenvolvimento
histórico.”4
Em outro texto, O Socialismo, diz Lênin:
“A socialização do trabalho — que avança cada vez mais rapidamente sob
múltiplas formas e que, no meio século decorrido depois da morte de Marx, se
manifesta sobretudo pela extensão da grande indústria, dos cartéis, dos
sindicatos, dos trustes capitalistas e também pelo aumento imenso das
desproporções e do poderio do capital financeiro, eis a principal base material
para o advento inelutável do socialismo. O motor intelectual e moral, o agente
físico desta transformação, é o proletariado, educado pelo próprio capitalismo. A
sua luta contra a burguesia, revestindo-se de formas diversas e de conteúdo cada
vez mais rico, torna-se inevitavelmente uma luta política tendente à conquista pelo
proletariado do poder político.”5
4 LÊNIN, V.I., A Luta de Classes, in Obras Escolhidas em três tomos, Edições Avante!-Edições Progresso
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